TEXTO 1
O VERBO FOR
Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas (…)
O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês, e sociologia, sendo que esta não constava nos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito ruibarbosianamente quando possível, com citações decoradas, preferivelmente (…)
Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma certa vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante.
Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra “for” tanto podia ser do verbo “ser” quanto do verbo “ir”. Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
– Esse “for” aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
– Verbo for.
– Verbo o quê?
– Verbo for.
– Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
– Eu fonho, tu fões, ele fõe – recitou ele impávido. – Nós fomos, vós fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe.
(João Ubaldo Ribeiro, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 13/09/1998)
TEXTO 2
Sempre recorrente na imprensa, a polêmica sobre a falta de sintonia entre educação profissional de nível superior e mercado de trabalho aflige simultaneamente educadores, estudantes e empregadores. A reestruturação produtiva dos últimos anos, a dispersão global dos negócios, a instabilidade e a volatilidade dos mercados dificultam ainda mais a tarefa dos que sonham com um fino ajuste entre educação e trabalho. Tal descompasso, entretanto, parece ser fruto de representações mentais ultrapassadas acerca da educação e do trabalho, de noções que apenas exprimiam o desejo da economia industrial de submeter o currículo escolar às suas necessidades mais urgentes. Idéias que restaram profundamente enraizadas, e que com frequência turvam a visão, gerando expectativas descabidas e equivocadas acerca do papel da educação superior.
O mercado de trabalho, determinado que é pelas necessidades instrumentais mais imediatas das organizações, é mais do que nunca mutante e instável. A universidade, ao preparar seus estudantes para o atendimento das necessidades mais urgentes do mercado, prepara-o para uma realidade que em breve não mais existirá. O egresso da universidade, quando dotado exclusivamente de conhecimento instrumental, de utilização imediata, está condenado a uma curta vida profissional. A aquisição de conhecimentos técnicos e instrumentais, aliás, dispensa qualquer passagem pelo ensino superior. Não é preciso fazer faculdade para se conhecer um software ou uma nova técnica profissional. A universidade deve visar, ao contrário, o atendimento das necessidades do próprio estudante, ou seja, a imprescindibilidade de uma consistente base cultural, de sólido conhecimento científico, de emancipação e realização profissional. Ao ensinar seus estudantes a compreender a realidade de forma crítica, ao ensiná-los a aprender, a universidade estará preparando-os para o resto de suas vidas, para todas as transformações futuras do mercado trabalho.
Por outro lado, no entanto, o descasamento crescente entre titulação universitária e ocupação profissional também se deve à rigidez e ao conservadorismo dos currículos universitários, que ignoram o aspecto contingente do atual mundo do trabalho. Condicionado pela grade curricular anacrônica, o conhecimento assim adquirido dificulta ainda mais a inserção no mercado de trabalho. Rotulada pelo diploma universitário, com fraca visão interdisciplinar e baixa consciência do contexto histórico, político e social que envolve a sua formação, essa pessoa terá dificuldade na definição do próprio trabalho, bem como na concepção de um projeto de vida profissional.
[...]
Disponível em: Acesso em: 7 mai 2017, às 15h
Analisando os textos motivadores acima, escreva um texto dissertativo-argumentativo em que você analise a realidade da educação superior brasileira e seu papel frente às necessidades do mercado de trabalho. Não esqueça de criar uma proposta de ação social para sugerir melhoras de acordo com o ponto de vista que você defender.
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